No dia da dificuldade

A sensação de incompetência e a depressão.

O trabalho missionário frequentemente nos traz uma sensação de incompetência. Quando vemos a enorme tarefa adiante, na mobilização da igreja e na evangelização dos povos não alcançados, quando desejamos realizar o impossível para levar as pessoas à salvação, à libertação e à cura, diante do sofrimento humano e da terrível corrupção do pecado, não é raro nos sentimos incompetentes, incapazes, insuficientes, e isso pode facilmente romper nossa resistência, diminuir nossa resiliência e nos levar à depressão. Então, precisamos considerar que o perigo não está na tensão, mas na distensão, não na pressão, mas na depressão.

A depressão causada pela sensação de incompetência diante de desafios ou cobranças excessivas é uma realidade enfrentada também além do campo missionário. Martin Seligman, com sua teoria da ‘Learned helplessness’ (Desesperança aprendida), propôs que pessoas expostas a situações repetidas de fracasso ou impotência aprendem a se sentir incapazes de mudar suas circunstâncias, desenvolvendo uma sensação de desamparo, resignação e passividade. Aaron Beck, um dos fundadores da terapia cognitivo-comportamental (TCC), explorou como pensamentos automáticos negativos sobre si mesmo, o mundo e o futuro, bem como crenças disfuncionais, podem levar à depressão. Herbert Freudenberger, ao introduzir o conceito de burnout, destacou como a exaustão extrema e a sensação de falta de realização podem resultar em incapacitação física e mental.

Em meu livro ‘Elias e outros’, mostrei a escada do esgotamento que se evidencia no início da história de Elias (1Rs 17-19): Euforia, Aversão, Isolamento e Deserção, que consiste essencialmente de depressão. Mas, tratando especificamente da sensação de incompetência como gatilho para a depressão, olho para outro texto. Em Provérbios 24:10-12, encontramos instrução divina objetiva para superar o sentimento de incapacidade, inadequação, falta de controle e fraqueza. “Se você vacila no dia da dificuldade, como será limitada a sua força! Liberte os que estão sendo levados para a morte; socorra os que caminham trêmulos para a matança! Mesmo que você diga: ‘Não sabíamos o que estava acontecendo!’ Não o perceberia aquele que pesa os corações? Não o saberia aquele que preserva a sua vida? Não retribuirá ele a cada um segundo o seu procedimento?” Pv 24:10-12 NVI.

O livro de Provérbios faz parte da literatura sapiencial do Antigo Testamento, composto por coleções de ditos e ensinamentos atribuídos principalmente ao rei Salomão. Provérbios 24 faz parte da coleção que vai do capítulo 22:17 até 24:34, frequentemente denominada ‘Ditos dos Sábios’. Esta seção contém orientações práticas para a vida diária e enfatiza a importância da sabedoria na conduta humana. Os versículos de Pv 24:10-12 formam uma unidade temática coerente. Enquanto o versículo 10 trata da resistência e resiliência na adversidade, os versículos 11 e 12 ampliam o tema, apontando para a realização ética e missional como a atitude saudável diante de grandes desafios como ‘o dia da dificuldade’.

Se você vacila no dia da dificuldade, como será limitada a sua força! – Este versículo enfatiza a importância da resistência e da resiliência em tempos de crise. A palavra “vacila” (hb. רָפָה, rafah) sugere a ideia de desfalecer ou ceder e compreende muitos dos aspectos do conceito de depressão. A expressão ‘dia da dificuldade’ (hb. צָרָה, tsarah) refere-se a tempos de aflição e é uma forma da mesma palavra para ‘limitada’, a ideia é a de estreiteza: se você estiver depressivo nos dias de estreitamento, sua firmeza ou habilidade será estreita. O termo traduzido como “força” (hb. כֹּחַ, coach) traz esses dois significados, firmeza e habilidade, que traduzem bem a ideia de resistência, capacidade de não se alterar ao enfrentar pressão, e resiliência, a propriedade de retornar ao estado anterior a qualquer alteração. O versículo, pois, nos desafia a manter nossa capacidade de não sermos alterados pelo estreitamento que sofremos e, se finalmente nos alterarmos, retornarmos eventualmente à condição anterior. Não se trata de uma advertência, porém, mas da afirmação de um fato que se pode facilmente verificar.

Se você vacila no dia da dificuldade, como será limitada a sua força! – Este versículo enfatiza a importância da resistência e da resiliência em tempos de crise. Não se trata de uma advertência, porém, mas da afirmação de um fato que pode ser facilmente verificado. A palavra “vacila” (hb. רָפָה, rafah) sugere a ideia de desfalecer ou ceder, compreendendo muitos dos aspectos do conceito de depressão. A expressão “dia da dificuldade” (hb. צָרָה, tsarah) refere-se a tempos de aflição e está relacionada etimologicamente com “limitada”, implicando uma ideia de estreiteza: se você estiver depressivo nos dias de estreitamento, sua firmeza ou habilidade será estreita. O termo traduzido como “força” (hb. כֹּחַ, koach) abrange significados de firmeza e habilidade, traduzindo bem a ideia de resistência, a capacidade de não se alterar ao enfrentar pressão, e resiliência, a propriedade de retornar ao estado anterior após qualquer alteração. O versículo, portanto, nos desafia a manter nossa capacidade de não sermos alterados pelo estreitamento que sofremos e, se finalmente nos alterarmos, retornarmos eventualmente à condição anterior.

Liberte os que estão sendo levados para a morte; socorra os que caminham trêmulos para a matança! Mesmo que você diga: ‘Não sabíamos o que estava acontecendo!’ – Este bloco de texto destaca o que denominaríamos secularmente como responsabilidade moral e ética, mas, com uma visão bíblica, devemos chamar de ‘a justiça divina’ ou ‘a vontade de Deus’. Ao chamar o leitor para viver conforme a vontade de Deus, o texto oferece a solução para a fraqueza diante dos desafios e a manutenção da resistência e da resiliência. A dedicação missional é apresentada como curativa, contrastando com o olhar egocêntrico e individualista que é uma causa da depressão. Quando olhamos para nós mesmos diante dos desafios e ignoramos tudo o mais, ‘Não sabíamos o que estava acontecendo!’, nos enfraquecemos, deprimimos. Se nos dedicamos a libertar e socorrer os outros, encontramos propósito e vigor na missão que Deus nos confiou, e nos fortalecemos. Exegeticamente, os termos “liberte” (hebraico: נָצַל, natzal) e “socorra” (hebraico: חָלַק, chalats) são usados em contextos de resgate e libertação, indicando uma ação proativa e urgente, que no cristianismo se refere à pregação do Evangelho.

Não o perceberia aquele que pesa os corações? Não o saberia aquele que preserva a sua vida? Não retribuirá ele a cada um segundo o seu procedimento? – Neste versículo, destacam-se a onisciência, a onipotência e o amor justo de Deus. “Aquele que pesa os corações” (hb. תֹּכֵן לִבּוֹת, token libbot) se refere a Deus, que avalia e julga com precisão as intenções humanas, ele sabe quais são as nossas possibilidades e limites. “Aquele que preserva a sua vida” (hebraico: נֹצֵר נַפְשֶׁךָ, notser nafshkha) enfatiza que é de Deus que provém a força e os recursos que temos. “Retribuirá” (hebraico: יָשִׁיב, yashiv) implica uma ação justa de dar a cada um conforme suas obras, portanto certifica que se olharmos para além de nós mesmos e nos dedicarmos a cumprir a vontade de Deus na libertação e socorro das pessoas, receberemos o necessário para a resistência e resiliência em situações aflitivas. Deus que nos conhece e tem nos dado o que temos, ainda nos suprirá conforme nos dedicamos à missão, ao invés de nos ensimesmarmos em nossa autopiedade. Devemos nos submeter à vontade de Deus, sabendo que ele observa nossas ações e intenções e que é o provedor de nossa força, especialmente quando nos empenhamos em sua obra, afastando-nos do egocentrismo.

O ensino central do texto é a importância da resistência e resiliência em tempos de crise, e como podem ser mantidas em momentos difíceis. Nos chama a superar a depressão calcada no egocentrismo, orientando nossa força para o cumprimento da missão, encontrando a cura e a força na dedicação e no serviço. Nos permite entender o problema da depressão diante de grandes desafios, nos ajuda a compreender a causa e apresenta a solução. O texto denuncia o egocentrismo, a passividade e a falta de ação diante de desafios e necessidades. Critica o individualismo que resulta na depressão e desvio do propósito, além de condenar a desculpa da indiferença ou ignorância deliberada, “Não sabíamos o que estava acontecendo!”, para justificar o egocentrismo. O texto promove a firmeza e a habilidade em tempos de grande demanda e forte pressão, prescreve a ação proativa e urgente no cumprimento da missão divina. Incentiva a superação através da dedicação missional, destacando a importância de viver missionalmente, confiando na sabedoria, no suprimento e nos perfeitos planos de Deus. Recebemos instruções claras para manter a resistência e resiliência, através da dedicação à missão divina e aos outros. Instrui-nos a confiar no provimento da força que vem de Deus como em muitos outros textos, a agir com altruísmo, generosidade e propósito, sabendo que Deus observa nossas ações e intenções e nos suprirá conforme nos empenhamos em Sua obra, afastando-nos do egocentrismo e da autopiedade.

Vivemos em tempos de grandes desafios e corremos o risco de nos sentir incompetentes, desanimados e propensos a desistir. Infelizmente, por várias razões, podemos criar um ambiente que impõe e enfatiza o sentimento de incompetência e engatilha a depressão. Por isso, a mensagem deste texto é tão importante agora como foi no passado. Ela nos leva a confessar nossa tendência à depressão, passividade e indiferença diante de grandes dificuldades e pressões que percebemos como intoleráveis. O texto nos inspira a mudar nossa atitude, sendo mais proativos e intencionalente dedicados à missão divina. O texto ainda nos conduz a uma vida de integridade e dedicação ao que Deus quer e o que outros precisam, refletindo o caráter missional de Deus em nossas ações diárias.

Para aqueles que estão sofrendo com a depressão devido a sentimentos de incompetência, lembrem-se que nos tempos de maior pressão e demanda, a resistência e a resiliência são mais necessárias. Como Pv 24:10 nos adverte, não teremos a força necessária se estivermos deprimidos. Então devemos nos dispor a cumprir a missão: deixar de lado nosso medo egocêntrico e nos dedicar a libertar e socorrer a outros, anunciando-lhes o Evangelho da salvação. Devemos contribuir para criar um ambiente, na igreja e no ministério, em que as pessoas não se sintam incompetentes, opressas e desanimadas por causa de acusações injustas e de cobranças excessivas. Ao fazer isso, certamente Deus vai completar a força que nos falta. Vamos agir, confiantes na força que Deus nos dá e comprometidos em fazer a diferença, mesmo no dia da dificuldade.

Foto de José Bernardo

José Bernardo

Fundador e presidente da missão AMME

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