Prólogo
“No ano em que o rei Uzias morreu, eu vi o Senhor…” Is 6:1 NVI. Esta frase, que abre o capítulo 6 de Isaías, pode passar despercebida para alguns leitores, mas estudiosos têm observado sua importância como referência ao contexto histórico e espiritual da época. Ela marca o fim de um período de prosperidade material, mas também de apatia espiritual, já introduzido nos primeiros cinco capítulos. Foi nesse cenário que Isaías recebeu seu improvável chamado profético.
O profeta teria, provavelmente, cerca de 20 anos quando recebeu sua vocação. Se considerarmos a expectativa média de vida da época e a duração de seu ministério por mais de 50 anos, sua juventude é evidente. Inferências do texto bíblico, juntamente com a tradição rabínica, sugerem que o jovem Isaías pertencia a uma família privilegiada, talvez até de linhagem nobre. O fato de que ele foi chamado por Deus nessas condições nos oferece muito a refletir, especialmente em um tempo em que enfrentamos uma crise vocacional urgente em nosso meio.
Muitos poderiam argumentar que, numericamente, a força missionária brasileira é uma das maiores do mundo. No entanto, esse argumento perde força quando consideramos que nossos missionários se concentram quase exclusivamente onde há menos necessidade, além de estarem frequentemente
envolvidos em atividades que não são diretamente relacionadas à missão de comunicar o Evangelho.
A realidade é que as vocações estão em declínio, tanto em quantidade quanto em integridade. Esta é a crise vocacional que precisamos enfrentar com honestidade e esforço.
O Tridente Maligno
Durante o reinado de Uzias, Judá experimentou uma era de grande prosperidade material, estabilidade econômica e desenvolvimento tecnológico, como mencionado em 2 Crônicas 26. No entanto, junto com essas bênçãos visíveis, veio o distanciamento espiritual que caracterizou aquela época. Três forças espiritualmente destrutivas se evidenciavam: materialismo, secularismo e humanismo. Essas forças formaram um “tridente maligno” que desviou o povo de Judá de sua verdadeira vocação. Isso nos interessa, porque a mesma composição é visível ao nosso redor, na crise vocacional que enfrentamos hoje.
A prosperidade sem dependência de Deus
Uzias promoveu o crescimento econômico e militar de Judá, expandindo as fronteiras e fortalecendo a nação (2Cr 26:6-15). Contudo, a prosperidade material levou o povo a um senso de autossuficiência. O materialismo fez com que a dependência de Deus fosse substituída por uma confiança nos bens, riquezas e realizações humanas. A “Canção da Vinha” em Isaías 5 evidencia que, apesar da abundância, os frutos espirituais eram ruins. Hoje, vemos uma realidade similar, onde o materialismo sequestra o coração dos crentes e dissuade muitos vocacionados, levando-os a buscar segurança em bens materiais, em vez de confiar plenamente no chamado divino.
A tecnologia no lugar da sabedoria
O reinado de Uzias também foi marcado pelo avanço tecnológico. Ele construiu fortalezas, desenvolveu sistemas de irrigação e introduziu inovações militares para proteger Judá (2Cr 26:9-10,15). No entanto, esse progresso foi consequente ao afastamento progressivo da centralidade de Deus nas estruturas de poder. Assim, o secularismo, com seu foco na capacidade humana de moldar o mundo sem a necessidade de orientação divina, tomou conta do cenário político e social. Hoje, o secularismo continua a se infiltrar na igreja, obscurecendo a clareza missional e distorcendo o foco vocacional, à medida que o avanço tecnológico é valorizado acima da dependência da sabedoria divina.
O homem como centro do culto.
O maior declínio de Uzias veio quando, em sua soberba, ele entrou no templo para queimar incenso, usurpando o papel sacerdotal (2Cr 26:16-19). Esse ato de orgulho exemplifica o humanismo, onde o ser humano e sua arrogância ocupam o templo e o altar, em vez da adoração em espírito e em verdade. A centralidade do “eu” e a busca pela autossuficiência tornaram-se evidentes na arrogância do rei, que, em vez de confiar em Deus, confiava em suas próprias conquistas e queria fazer a adoração girar em torno de si mesmo. Da mesma forma, o humanismo de nossos dias eleva a vontade humana acima da vontade de Deus, resultando em uma crise vocacional, onde muitos líderes e vocacionados não conseguem reconhecer o chamado divino acima de seus próprios desejos e ambições, tomando Deus como uma força auxiliar na realização de seus próprios projetos.
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Ao nos depararmos com essa realidade e, no propósito de ajudar as igrejas evangélicas brasileiras a cumprir sua missão bíblica de comunicar o Evangelho a todas as pessoas, reafirmamos nosso compromisso com o desenvolvimento da vocação bíblica. Depois de diversas publicações impressas e digitais, palestras e conferências sobre o tema, lançamos um evento vocacional em nossa base missionária, Cidade Forte. O evento, denominado ‘Hora de Ação’, conduz as igrejas por uma experiência baseada no capítulo 6 de Isaías: Contemplação, Santificação, Vocação e Orientação. Esse tema também permeia nossas oficinas e escolas ministeriais, como Pacificadores, PaciX e Ergátes, onde buscamos inspirar e preparar novos vocacionados.
Ao longo dessa jornada, experimentamos muitas alegrias, mas também enfrentamos tristezas e decepções. Contudo, não desanimamos. Reconhecemos a profundidade da crise vocacional e suas raízes venenosas, mas permanecemos firmes em nossa missão. O livro ‘Vocacionados’ é mais um passo nessa caminhada. É uma convocação para a igreja se engajar no resgate de vocações bíblicas, tanto em quantidade quanto em integridade, para que a missão de Deus, confiada à sua igreja, seja plenamente cumprida.
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