Discipulando para superar o individualismo e integrar à igreja
Vivemos no final de um ciclo histórico. Olhando para trás, vemos que a pré-modernidade medieval valorizava a fé, e a verdade era tutelada pela religião. A modernidade, desde a Renascença, deu primazia à razão, e a verdade passou a ser determinada pela ciência. Mas, com a chegada da pós-modernidade, especialmente a partir do final do século XIX, as emoções passaram a ocupar o centro das decisões humanas. A verdade se tornou fluida, pessoal e, cada vez mais, administrada pela política — mediadora dos sentimentos, desejos e intenções de cada um.
Essa mudança profunda tem afetado o discipulado cristão de maneira intensa. Um dos efeitos mais destrutivos dessa era é o individualismo. Desde os primeiros passos da psicologia moderna, a subjetividade passou a ser celebrada e, com isso, perdeu-se o senso compartilhado da realidade. As pessoas não apenas sentem diferente — agora elas veem diferente, planejam diferente e vivem como se pudessem estar certas sozinhas, como se houvesse infinitas verdades. A comunhão se tornou inviável, e o resultado é uma epidemia de solidão, ansiedade, frustração, desatenção e ideação suicida. O preço de tentar viver como um indivíduo autossuficiente é alto demais.
Como discipuladores, enfrentamos o desafio de ensinar sobre a igreja a uma geração que valoriza o eu acima do nós, que celebra o particular acima do comum e que prefere o isolamento à responsabilidade da convivência. Ensinar que a igreja é o corpo de Cristo e que cada crente é um membro indispensável desse corpo exige uma confrontação direta com o pensamento dominante deste século.
Mas o desafio não vem apenas de fora. Dentro da própria igreja, o pensamento mundano tem se infiltrado. Muitos crentes se conformaram ao espírito desta era e passaram a pensar de si mesmos mais do que convém, como se fossem apenas indivíduos e não membros uns dos outros. Expressões como “você é a igreja” ou “Deus não habita em templos feitos por mãos humanas” são muitas vezes usadas para justificar a vida cristã sem comunhão, sem compromisso mútuo. A igreja tem sido tratada como um evento, e não como uma comunidade. Os crentes passaram a ser espectadores e consumidores, e não mais membros ativos e saudáveis de um corpo vivo.
É nesse contexto que o discipulado bíblico precisa ser mais do que um curso com conceitos e teorias a serem lecionados para o cumprimento de um currículo. O discipulado deve provocar uma transformação real na forma como o discípulo vê a si mesmo e aos outros. O individualismo precisa ser confrontado com a verdade do Evangelho. Em lugar do “eu” soberano, o discípulo deve reconhecer que é parte de um corpo, conectado aos outros e a Cristo, para a glória de Deus. Cada um é valioso e indispensável — não quando está isolado, mas quando está em comunhão, funcionando conforme os dons que recebeu.
Esse é o chamado de Jesus em Mateus 18:15-20. Em vez de abandonar a comunhão ao menor sinal de conflito, o discípulo é chamado a buscar reconciliação. O processo que Jesus ensina — ir pessoalmente, buscar testemunhas, envolver a igreja — revela que a comunhão vale o esforço. Mesmo quando a reconciliação parece impossível, as pessoas ainda devem ser vistas e tratadas como alguém que precisa ouvir o evangelho e crer. Quando essa ordem é seguida com coração sincero, Jesus promete estar presente. E onde Jesus está, há revelação, há justiça, há resposta de oração.
Por isso, discipular é também ensinar a resolver conflitos, a suportar uns aos outros, a agir como Jesus agiria. Isso é radicalmente oposto à tendência contemporânea de “trocar de igreja” ao menor incômodo ou de buscar refúgio em megaigrejas, onde se pode viver uma fé individualista, ocultando-se na multidão, sem comunhão real, sem prestação de contas, sem transformação.
Querido discipulador, você é chamado a ensinar novos discípulos de Jesus a valorizar a comunhão, a amar a igreja, a viver como membros do corpo de Cristo. É sua responsabilidade ajudar cada um a discernir se ouve verdadeiramente e se busca fielmente a comunhão. Ensine que Jesus está presente onde dois ou três se reúnem em seu nome — não como consumidores de fé, mas como amigos que agem como ele agiria: no amor, na reconciliação, na oração e no serviço mútuo.
Que o seu discipulado seja um ato de resistência contra o espírito deste século. Que seja um chamado à reconciliação, à unidade e à presença real de Cristo entre nós. Que aqueles a quem você discipular aprendam a viver e servir com essa consciência santa: Jesus nos integra.